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sexta-feira, janeiro 26, 2024

Sequestro

    Tic tac, tic tac... uma corrida contra o tempo, prometi sem querer, só por complacência a uma mãe em prantos, que eu encontraria a sua filha desaparecida, um bebê de dez meses. Ela bateu no meu portão, moro com a minha esposa neste bairro a pouco tempo e mesmo assim aquela mulher sabia que sou um investigador da polícia civil. Pensei rápido e por fim concordei!
    Aceitei com um pouco de resistência a ideia de deixar nossa casa no centro. No entanto, minha esposa acabou me convencendo de que o melhor que poderíamos fazer era deixar para trás um local que trazia lembranças trágicas para nós. Tivemos uma grande perda e prometi a ela que faria qualquer coisa para que eu pudesse vê-la feliz novamente. Os medicamentos têm causado melhorias significativas nela, a ponto de eu não temer mais que ela tente o suicídio novamente.
    Me despedi dela ontem de manhã, ela seguiu para Londrina no estado do Paraná, onde se graduou em medicina em uma faculdade estadual anos atrás. Ela sempre teve vontade de retornar e eu sei que vai fazer bem a ela, uma cidade longe dos ares de Penápolis e com pessoas que não fiquem perguntando o que aconteceu com o pequeno Ivan... É o melhor que posso fazer por minha família e eu irei assim que puder.
    Entendi que o certo a fazer era mesmo estar no caso, para acompanhar tudo de perto. Eu e meu colega partimos para cima com toda a nossa energia, trabalhamos incansavelmente sem dormir, comendo mal, sem descanso algum, mas até agora nada, nenhuma suspeita sequer... interrogamos vizinhos, parentes e até alguns pervertidos sexuais fichados na polícia e nada, a frustração ameaça nos consumir...
    A criança está a trinta e seis horas desaparecida e sem nenhuma pista até agora, cada minuto é agoniante, cada segundo que se passa sinto nos olhares dos policiais envolvidos na investigação que a esperança deles está se esvaindo.
    O sol do meio-dia desta terça feira final de novembro está escaldante, acabamos de nos embrenhar em uma pequena mata na zona rural nas proximidades da cidade, uma pista colhida pelo meu parceiro nos trouxe aqui, as sombras das velhas arvores ameniza o calor. Só de pensar na possibilidade de que a menina poderia estar aqui me dá calafrios, pois seria o mesmo que admitir que poderíamos encontrar somente um corpo enterrado, ou encoberto por algumas folhas.
    Cobrimos todo o perímetro em cinco horas, juntamente com a equipe e alguns voluntários, e nada. Saímos de lá já era fim de tarde. Retornamos para a delegacia, meu colega dirigiu o carro, fechei os olhos sentado no banco do carona, mas não dormi, pensando no meu filho:
    Ele tinha quatro anos quanto o perdemos, éramos uma família feliz, fazíamos planos para termos uma menina, uma irmãzinha para o Ivan. Mas um câncer de ovário tornou minha mulher infértil.
    Naquela tarde de domingo tudo mudou drasticamente, eu saí de casa e fui buscar algumas cervejas, minha esposa foi tomar um banho, não houve comunicação, sobrou negligencia e nosso filho não sabia nadar. Há seis anos estamos tentando seguir em frente. Estou feliz, por dar nossos primeiros passos depois da tragédia que vitimou nosso filho.
    Passei as últimas horas ouvindo algumas teorias do meu colega sobre o desaparecimento que estamos investigando. Uma delas em particular me fez remexer na cadeira, embora eu não tenha deixado transparecer o incômodo que me causava enquanto ele falava sobre a possibilidade de alguém com certo conhecimento ter sido o raptor da menina e tê-la dopada para tirá-la da cidade sem que a criança chorasse. Ele concluiu explicando para mim que não seria difícil transportar uma criança desmaiada no banco traseiro de um carro, cobrindo a com um cobertor, sem levantar suspeitas.
    O palpite era tão absurdo que dei crédito a ele e sugeri que enviássemos um alerta para as bases da Polícia Rodoviária da nossa região para que ficassem alertas. Se foi isso mesmo que aconteceu, já é tarde demais, pensei comigo, mas não fiz nenhum comentário.
    Este caso está me exaurindo fisicamente e mentalmente. Assim que terminar, pedirei demissão. Não quero mais continuar sendo um investigador, não quero mais morar aqui. Irei para Londrina para começar uma nova vida com a minha família. Já era quase dez horas da noite quando retornei para casa, uma passada rápida, tomar um banho e trocar de roupas, depois voltar para a delegacia.
    Entrei em nossa casa e os cômodos pareciam maiores sem a presença do meu amor. Notei algumas louças sujas na pia da cozinha, passei por ela fingindo não vê-las. Recolhi uma mamadeira usada que estava sobre a mesa de jantar, a descartei no saco preto de lixo e levei o para a lixeira na calçada, o caminhão da coleta passa bem cedo. Em seguida, me coloquei debaixo do chuveiro e a água quente caiu, me relaxando e levando todas as minhas preocupações pelo ralo.
    Tic tac, tic tac... quero que o tempo voe e esta cidade esqueça logo o que aconteceu...
    Quando eu tiver a certeza de que não existe mais nenhuma possibilidade de achar a menina desaparecida, seguirei para encontrá-la em Londrina, juntamente com a minha esposa. Família completa novamente. Fecho o registro do chuveiro e um sorriso me vem aos lábios

_________Pedro Trajano

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Eu sou mais eu. Mas o meu eu tem empatia pelo seu eu. (Pedro Trajano)